Alerta aos Médiuns

Joel Fernandes de Souza

As verdades colhidas através da experiência são incontestes porque têm por origem os fatos, chegando mesmo a confundirem-se com eles; e diante dos fatos nada temos a fazer senão aceitá-los e procurar-lhes as causas mediante argumentos racionais bem colocados.

Assim sendo, ocorrem fatos comportamentais nas fileiras espíritas-mediúnicas aos quais não podemos tapar os olhos, fingindo não vê-los, até mesmo porque tal atitude seria inócua, uma vez que não nos faria chegar às suas causas. Todavia, do quê, exatamente, estamos falando? A quais fatos estamos nos  referindo? Àqueles fatos comportamentais nos quais o médium, costumeiramente – e tal costume por ser tão freqüente acabou por se transformar numa viciação –, se habituou a se colocar na confortável posição de ser um ser doente e cujo agente morbígeno é exatamente, por mais paradoxal que isto possa parecer, o seu próprio dom, ou talento mediúnico. E por que isto? Porque, segundo pensa, é esta faculdade o motivo pelo qual se julga uma criatura “muito necessitada”, portanto, carente de infindos cuidados e, em conseqüência, menor, diminuída, enfraquecida. E tanto esta lamentável atitude é considerada verdadeira no interior do movimento espírita que até os próprios dirigentes dos Trabalhos de Desobsessão, bem como os Expositores das Escolas de Educação de Médiuns, a endossam quando reprisam: “... o médium é uma criatura muito sensível ...”; “... a sensibilidade do médium é diferente das demais pessoas, ela é aflorada à pele ...”; “... o médium é uma pessoa que qualquer tribulação mais ou menos forte pode desequilibrar o seu emocional, quando tal não ocorre de fato ...”; “... precisamos tomar muita cautela com o médium porque, você sabe, a mediunidade o torna muito vulnerável, uma vez que ele é muito suscetível às indisposições trazidas pelos ruges-ruges do dia-a-dia ...”; “... não brinque com o médium hoje porque, hoje, ele está muito sensível, já que qualquer médium é muito impressionável ...”, etc. Ora, com tais idéias disseminadas, instaladas e alastradas, qual é a única conclusão racional – porque apoiada em eventos vivenciados – que podemos, com segurança, extrair desta síndrome generalizada? A de que a mediunidade é um poderoso agente patológico, tendo em vista que o seu portador é um queixoso do tipo psicológico emocionalmente instável e sensível a quaisquer melindres, logo, um ser extremamente vulnerável porque é suscetível a este imenso leque de doenças de natureza psicossomática tão bem catalogadas na Psicologia e na Psiquiatria.

Porém, como a doença é o efeito de um atuador morbífico, e como o que nos interessa é atuar nas causas para eliminar os efeitos, perguntemo-nos então: qual é, realmente, a causa primeira, geradora e responsável pelo desencadeamento deste conjunto de sintomas que se repete a cada vez em que o médium comparece ao serviço mediúnico? A culpa, ou o que dá no mesmo, a idéia cultivada por ele próprio de que é um ser culpado e condenado pela divina justiça e que, justamente por causa daquela condenação, encontra-se “aqui”, reencarnado “nesta condição de médium”, para expiar pelos delitos perpetrados em reencarnações anteriores; e a pena à qual foi sentenciado é a de ser “portador da mediunidade”. Segue-se daí que o passo seguinte a ser inferido será o de considerar a mediunidade como sendo, portanto e ao mesmo tempo, uma prisão-sanatório modelar existente – mas existente como um grilhão –, para lhe restituir a saúde e a paz de espírito perdidas a partir daqueles tempos idos. Ato contínuo, tal arrazoado nos permite deduzir, avançando um pouco mais, que, no limite, podemos mesmo declarar com firmeza uma de duas, considerando o conhecimento dos postulados espíritas: ou estes não lhe fizeram bem ou não foram completamente inteligidos, pois estão a lhe produzir efeitos contrários.

E agora, de posse deste quadro estabelecido e em pleno funcionamento, tornemos a nos perguntar: qual é o conceito que um leigo na Religião dos Espíritos pode ter deste nosso legítimo representante? Sem dúvida que será tudo, exceto boa, tendo em vista apresentar este comportamento alterado cujo senso comum já o conceitua como sendo patológico.

Ao se sentir um ser pobrezinho por ter sido abandonado da fortuna do amor de DEUS, o médium crê que só tornará a reobter este amor maior se se permitir sofrer os tormentos dos esforços mediúnicos-desobsessivos porque, com o ego abalado pela sua baixa auto-estima – oriunda daquele complexo de culpa que o faz se sentir um ser inferior perante os demais dela libertos –, não mais se julga merecedor do apreço daquele divino amor – o que o deprime – como se isto fosse possível.

E com tais pensamentos em seu íntimo, ei-lo, não poucas vezes e geralmente à noite – tendo em vista que os trabalhos espirituais são comumente noturnos, pois durante o dia o médium trabalha para  sobreviver –, a  atravessar a cidade de um extremo a outro na direção da instituição espírita – contudo esta é uma viagem sem necessidade, pois o ideal é que exerça o seu dote no Centro Espírita do seu próprio bairro; e, além do mais, também é uma viagem feita com sofrimento, pois cada vez que a repete sente-se mais sofrido e mortificado, cada vez mais entristecido, cansado e amarfanhado nesta prática, por ter que “ainda”, e “mais uma vez”, “dar este terceiro expediente” que é um fardo do qual não pode se arredar e que se constitui num infortúnio resignado. “Mas o que fazer” – diz e repete para os demais e para si, a fim de exibir e não se esquecer quão é doente e credor da comiseração de todos – “se eu mereço isto!...”.

Onde, onde a alegria do trabalho? Onde, onde a alegria de servir[i]? Será que o médium não percebe que serve melhor, trabalha melhor, auxilia melhor, aquele que goza plenamente de vigor físico, mental, emocional e social, partes estas constitutivas do conjunto “saúde”? – e eis porque é lamentável e patológica tal situação: porque ela instala a tristeza que elimina a alegria de viver, sendo, portanto e igualmente, uma maneira antivital de se comportar.

O conceito acima, que de tão simples pertence como conhecimento ao senso comum – isto para não dizermos que a compreensão do que seja saúde tem tudo para ser considerada inata –, só é desconsiderado pelo médium porque este se julga o sofrido centro das atrações do trabalho mediúnico devido ao seu dom de “receber os Espíritos” – e este é também um pensamento equivocado porque a posição central não lhe pertence e nem pertence a quem quer que seja, uma vez que trabalha com uma equipe espiritual do qual é apenas um só dos seus inumeráveis membros –, todavia, como um alguém “tão sofredor” com muitas culpas a resgatar e o resgate, como não ignoramos, se dá pela mediação espiritual, não pela mediunidade como fim em si mesma, posto que tal posição na qual se acomodou passou a lhe fazer um bem, só que mórbido, por dois motivos: pela aprovação dos seus pares e dos outros, e porque tal aprovação o faz sentir-se melhor por haver acertado no diagnóstico e no desempenho da sua doença. Não é de estranhar, portanto, que poucos médiuns gostem e, no limite, amem a potencialidade mediúnica da qual são dotados, salvo se for devido aos motivos nominados.

Como uma pandemia, este conceito de que “o médium é um ser doente e carente, o que se constata pela sua mediunidade acentuadamente suscetível de melindres”, perigosamente se alastra e ganha campo cada vez mais, e quando os dirigentes o apóiam, propalando-o com a intenção de educar, em verdade o que fazem é deseducar as novas gerações de médiuns que se formam nas Escolas sediadas nos Centros Espíritas onde laborarão futuramente.

Como desfazer tal noção que, se não anula os esforços dos Mentores, pelo menos os minimiza? Que o conjunto dirigentes-médiuns-expositores cientifique-se de que os prejuízos acarretados pela aceitação desta idéia é grande e incide, principalmente, no bom rendimento estatístico dos resultados espirituais quando tabulados, porquanto o intercâmbio médium-Espírito sofredor, sendo de natureza psicobiofísica, permitiria um maior e mais expressivo registro de melhoria obtida pelos Espíritos sofredores se as forças morais, psíquicas, emocionais e físicas do médium estivessem em seu auge.

Por que, então, os Trabalhos de Desobsessão não consignam melhores resultados? Um dos motivos é este do qual estamos tematizando – o do médium se sentir um alguém demasiado sensível, uma pessoa melindrosa e doente por se entender “uma alma muito endividada”, como se ninguém mais o fosse, estando ou não reencarnado –; e o outro motivo é a falta de estudo do que seja, efetivamente, o compromisso espiritual-mediúnico assumido antes, por ocasião do seu planejamento reencarnatório[ii], bem como a finalidade deste seu dom inato, desde que não se encontre submetido à expiação[iii].

“Mens sana in corpore sano”[iv], já asseverava JUVENAL[v], lembrando a todos que “o homem sábio, diz o poeta[vi], só pede aos céus a saúde da alma com a saúde do corpo” – e nesta máxima universal, logo, verdadeira em todo o tempo e lugar, por ser intuitiva, incluímos os médiuns. Portanto, se o médium é um instrumento nas mãos dos Mentores, que notável serviço espiritual estes não fariam se aqueles fossem os melhores instrumentos possíveis!...

Não se trata aqui, neste “Alerta aos Médiuns”, de julgar e condenar, mas sim de compreender e esclarecer, auxiliando com amor, pois só quem ama educa – e a educação é a correção dos maus hábitos mentais-comportamentais pela implantação consciente dos bons. Há sempre, portanto, que se procurar a fraternidade pura a partir da percepção dos fatos, pois não é o “amor a DEUS e ao próximo, como a nós mesmos” o primeiro mandamento[vii]? Sendo assim, nada de termos pedras nas mãos, até porque “...: aquele que dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro que lhe atire pedra.”[viii]. Não obstante entendermos que todos possuem problemas, pensamos, contudo, que um problema é algo que existe de tão incômodo que deva ser superado.

Há que se ter a clara compreensão da idéia de que o melindre não deve fazer parte das nossas vidas, senão como viveremos? Como revanchistas que explodiremos contra os outros ou contra nós mesmos, se formos, respectivamente,  de índole extrovertida ou introvertida? Sendo assim, que jamais nos esqueçamos do amor-fraternidade uns para com os outros, mas comecemo-lo em mesmos em primeiro lugar, porquanto só pode dar amor aquele que o tem em si.

Por conseguinte, que iniciemos a partir de agora a mudar o entendimento do conceito de que o médium é um ser fragilizado em sua organização emocional, e cuja auto-estima se encontra depreciada, para o entendimento de que o médium é um ser vivo e vibrante, atuante e participante da vida que escolheu[ix] e um trabalhador da causa espírita cristã por sua livre-escolha – é sempre bom que se relembre isto –, considerando  que DEUS não castiga, pois é contraditório dizer que DEUS castiga a uns e perdoa a outros[x].

“Quando”, perguntamos, quando começará o trabalho de renovação daquele modo de pensar que deve, em função do que foi lido e compreendido, ser superado? A quem competirá a iniciativa de tal tarefa? Sugerimos que ela comece pela conscientização, em primeiro lugar, dos diretores dos Centros Espíritas para, em seguida, ser levada aos Expositores e aos dirigentes dos Trabalhos de Desobsessão, até finalmente chegar aos médiuns.

E já que “Pode, pois, dizer-se que todos os homens são, mais ou menos, médiuns”[xi] – condição esta na qual também nos incluímos –, torçamos para que tal “Alerta aos Médiuns” possa ser posto em aplicação a partir da modificação do nosso entendimento do que seja o conceito de “saúde” no instante mesmo do término desta leitura[xii]

São Paulo, 30 de abril de 2.003.


[i] Que se leia, a este respeito, a seguinte obra: CANUTO ABREU, SILVINO; “O LIVRO DOS ESPÍRITOS E SUA TRADIÇÃO HISTÓRICA E LENDÁRIA”; P. 75; Ed. LFU; 1992. Nela o autor nos exibe um exemplar diálogo entre ALLAN KARDEC e o jovem ADRIEN, funcionário da Livraria Dentu, por ocasião do inesquecível dia do lançamento do “O LIVRO DOS ESPÍRITOS”, em 18 de abril de 1.857.

[ii] P. 258; 393; 399; 975; 984 e 986/LE.

[iii] P. 273 e 998/LE.

[iv] “Mente sã num corpo são”.

[v] DÉCIMO JÚNIO JUVENAL, poeta latino (60/140), autor de “SÁTIRAS”, onde ataca os vícios de sua época.

[vi] O médium da época, assim entendido na medida em que “... sua alma pura e delicada era apoderada, excitada e arrastada fora de si pelas Musas inspiradoras que ensinavam os pósteros” (conforme PLATÃO; FEDRO; 245a).

[vii] Mt 22: 34-40.

[viii] Jo 8:7.

[ix] O entendimento do conceito de “escolha” é fundamental no entendimento deste “Alerta aos Médiuns”. Por que? Porque só ele é que restituirá ao médium a compreensão de que não é “um sofredor”, possibilitando-lhe recuperar a sua sadia responsabilidade e eliminar de uma vez para sempre o conceito de que é vítima de uma “punição divina”.

[x] Por uma questão de lógica, consoante o entendimento filosófico  – e DEUS é lógico: não é possível que o ser seja e não seja ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto.

[xi] Conforme ALLAN KARDEC; “O LIVRO DOS MÉDIUNS”; Cap. XIV – DOS MÉDIUNS –; § 159.

[xii] Recomendamos, a fim de acelerar o processo de revolução do antigo conceito – o do médium como um ser patológico – para o novo – o do médium como um ser saudável e cujo termômetro é a alegria –, a leitura do livro “O SER CONSCIENTE”, da dupla JOANNA DE ÂNGELIS (Espírito) e DIVALDO PEREIRA FRANCO (médium), onde o tema saúde x doença é focado e desenvolvido.

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