Misticismo, Algumas Anotações 

Sérgio Biagi Gregório

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito de Misticismo. 3. O Retiro do Mundo. 4. A Mística dos Grandes Pensadores. 5. A Mística Marxista e a Mística Cristã. 6. As Doutrinas Espiritualistas. 7. O Modelo Místico e o Espiritismo. 8. Conclusão. 9. Bibliografia Consultada

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é analisar alguns aspectos do misticismo. Para tanto verificaremos seu conceito, a mística dos grandes pensadores, o retiro do mundo e um pequeno comentário à luz dos princípios codificados por Allan Kardec.

2. CONCEITO DE MISTICISMO

Etimologicamente provém de mística - do grego mystica, de myo, "eu fecho" os olhos, para me ensimesmar no meu íntimo. Ao contrário do conhecimento objetivante, base da ciência empírica e racional, as vivências místicas são uma forma de experiência psicológica, puramente subjetiva, por intuição ou "vidência espiritual", de natureza afetiva-extática, irracional. O místico vive o "numinoso", o contato e fusão do próprio Eu com o Ser absoluto, o Todo, o Cósmico, Deus.

O estado de êxtase acompanha-se de um estreitamento da consciência com eliminação e desinteresse por todos os estímulos e pelo mundo exterior real. A vivência do Alter ego, pela sua origem extra-consciente afigura-se como estranha ao próprio, vinda de fora, sobrenatural, divina.

Na Teologia Católica, as palavras misticismo, mística e mistério evocam a idéia de alguma coisa de secreto, que escapa mais ou menos à razão clara e não pode ser claramente divulgado ou expresso. S. Tomás define-o como "uma vista simples e afetuosa de Deus ou da coisas divinas". (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira)

3. O RETIRO DO MUNDO

O retiro do mundo marca o modo e vida dos religiosos. Hugo de São Vitor distinguia cinco graus ascéticos: primeiro, lectio ou doutrina; segundo,  a santa meditação; terceiro, a oração; quarto, a operação; quinto, a contemplação. Em França, no século XVII, funda-se o Oratório, uma instituição religiosa, cujo objetivo era não uma Doutrina Comum mas uma tendência comum para a vida interior e mística, concedendo aos seus adeptos a liberdade mais completa de reverenciar Deus. (Mendonça, 1975)

4. A MÍSTICA DOS GRANDES PENSADORES

A iluminação súbita pode ser verificada pesquisando a biografia dos grandes pensadores. O filósofo Sócrates que viveu no século V a. C. teve seu insight depois de uma visita que fizera ao Oráculo de Delfos, quando, a partir daí, passou a ensinar o conteúdo da autoconsciência do homem. René Descartes (1596-1650) teve sonhos que lhe indicaram sua missão divina: construir o método para a nova ciência. O íntimo da maioria dos grandes pensadores mostra essa relação com o divino.

5. A MÍSTICA MARXISTA E A MÍSTICA CRISTÃ

Pode-se dizer que a tônica fundamental da mística marxista é construída pela meta da justiça plena e igualitária entre todos os homens, tendo por instrumento a luta de classes, que deve superar a trágica situação presente. E os cristãos, que a adotam, pretendem fazer coincidir essa tônica com a mística cristã, na medida em que esta também implica uma rejeição deste mundo submerso no pecado, um compromisso com os pobre abandonados e um sacrifício generoso pela justiça e o amor entre os homens.

Acontece que elas não se sustentam por muito tempo, pois a vivência de dois absolutos revela-se impossível no longo prazo. Não se pode servir a dois senhores. Isto porque a vivência mística, que não se reduz a idéias, implica em sentimentos e atitudes que dificilmente podem ser conciliados, a não ser em casos mais extremos de obsessão e fanatismo.

A coincidência entre a mística marxista e a mística cristã pode ser vista na opção em favor dos pobres diante dos opressores, a opção pelos que nada têm contra os que têm tudo em abundância. 

A divergência, no entanto, é grande. A mística cristã enfatiza o desapego em relação aos bens; a mística marxista centra toda a marcha da história no fator econômico. A mística cristã organiza a luta da pessoa consigo mesma; a marxista a organiza contra os inimigos. A mística cristã chega até à loucura do perdão aos inimigos; a marxista não só não perdoa, como também excita as paixões belicosas, para poder exterminar o adversário. (Idígoras, 1983)

6. AS DOUTRINAS ESPIRITUALISTAS

Basicamente existem duas Tradições Místicas, quais sejam, a Tradição Oriental e a Tradição Ocidental, representadas pela AMORC - Antiga e Mística Ordem Rosacruz e a S.T. - Sociedade do Brasil (Internacional), onde ambas afirmam as mesmas coisas e o que as distingue são apenas as "perfumarias" próprias de cada uma. (Milhomens, 1997, p. 91)

Deolindo Amorim em O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas compara os pontos afins e os convergentes entre todas elas, inclusive, reportando-se à Umbanda e outras formas de manifestação mediúnica.

Transcrevamos alguns trechos deste livro:

"O Espiritismo não adotou a reencarnação simplesmente porque esta crença já existia no Oriente; e tanto isto é exato, que o Espiritismo não aceitou certos dogmas reencarnacionistas admitidos em grupos orientais. Um deles, como se sabe, é o da transmigração da alma através de corpo animal". (1989, p. 33)

"A doutrina Rosacruz, que é uma doutrina secreta, das mais recuadas na história do Espiritualismo, tem os seus símbolos, as suas cerimônias, os seus conceitos, a sua maneira, enfim, de explicar o infinito imanifesto, os sete planos da consciência, a alma do mundo, e assim por diante... A doutrina secreta dos Rosacruzes utiliza o simbolismo para explicar os problemas atinentes à alma e à reencarnação, enquanto o Espiritismo, aproximando-se mais da mentalidade ocidental, procura sempre desvendar os mistérios do Espírito humano. Seus ensinos, por isso mesmo, não têm simbolismo". (1989, p. 33 e 34) Utiliza-se do método teórico experimental 

"Para o perispírito, por exemplo, que é um elemento de muita significação na Doutrina Espírita, elemento já demonstrado objetivamente, a Teosofia tem uma classificação complexa, com divisões entre corpo astral, corpo mental e corpo causal". (1989, p. 36)

"A linguagem da Cabala, que é outra grande fonte das doutrinas secretas, também não coincide com os termos espíritas. A concepção cabalística, em consonância com o pensamento de outras escolas ocultistas, admite a existência de espíritos elementais, isto é, uma categoria diferente, porque formada de espíritos que habitam os chamados quatro elementos: fogo, ar, terra e água". (1989, p. 40)

7. O MODELO MÍSTICO E O ESPIRITISMO

Como interpretar o modelo do pensamento místico à luz do Espiritismo? No capítulo I de A Gênese, Allan Kardec trata do problema da revelação divina. Diz-nos que a revelação direta de Deus não é impossível, porém faz-nos entender que a revelação é feita através da mediunidade, ou seja, pelos Espíritos mais próximos de Deus que pela perfeição se imbuem do seu pensamento e podem transmiti-lo. O codificador do Espiritismo pretende, ao analisar o caráter da revelação espírita, desmistificar a facilidade da obtenção do conhecimento divino. Diz-nos que a revelação espírita é de origem divina e da iniciativa dos Espíritos, sendo sua elaboração fruto do trabalho científico do homem. Procede da mesma forma que as ciências naturais: observa, formula hipóteses e tira conclusões.

8. CONCLUSÃO

Como a maioria dos "ismos" torna-se um termo pejorativo, é preciso optar pelo misticismo verdadeiro, pois este sempre parte do princípio de que não podemos desenvolver fora de Deus o ser que Dele recebemos.

9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

AMORIM, D. O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas. 4. ed., Rio de Janeiro, Léon Denis, 1989.
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, s.d. p.
IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo, Edições Paulinas, 1983.
KARDEC, A. A Gênese - Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. 17. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1976.
MENDONÇA, E. P. O Socratismo Cristão e as Origens da Metafísica Moderna. São Paulo, Convívio, 1975.
MILHOMENS, N. O Misticismo à Luz da Ciência. São Paulo, IBRASA, 1997.

São Paulo, junho de 2000

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