Salvação da Alma

Sérgio Biagi Gregório

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito: 2.1. Salvação; 2.2. Alma. 3. Pequeno Escorço Histórico. 4. As Alternativas da Humanidade com Relação à Vida Futura: 4.1. Niilismo; 4.2. panteísmo; 4.3. A individualidade da Alma. 5. Libertando-se do mal: 5.1. O Espírito como Ato e Potência; 5.2. O Passado Influenciando o Presente e este o Futuro; 5.3. Código Penal da Vida Futura. 6. Orientações Evangélicas: 6.1. Caminhando e Entrando pela Porta Estreita; 6.2. O Trabalho de Iluminação da Alma; 6.3. Fora da Caridade não há Salvação; 6.4. Serviço da Salvação; 6.5. O perdão como Lei Científica de Salvação. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo das religiões é salvar a alma dos seus adeptos. Pergunta-se: como nos colocar diante dessa proposta? O que significa salvar-se? Significa ter fé? Orar? Realizar obras? Para desenvolver este tema, estudaremos as alternativas da humanidade com relação à vida futura, a libertação do mal e algumas orientações evangélicas acerca do tema.

2. CONCEITO

2.1. SALVAÇÃO

Ser salvo é ser tirado dum perigo onde se corria risco de perecer. Conforme a natureza do perigo, o ato de salvar tem afinidade com a proteção, a libertação, o resgate, a cura; e a salvação, com a saúde, a vitória, a vida, a paz... Deus salva o homem; Cristo é o nosso salvador. (Leon-Dufour, 1972)

Na linguagem religiosa salvação é a realização do destino eterno do homem na vista e posse de Deus. Diz-se que está salva a alma que escapou às penas eternas e alcançou as bem-aventuranças do Céu. A salvação opera-se por Cristo, único redentor e salvador. (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira)

Salvar-se (...) é aperfeiçoar-se, a fim de não cairmos em estados de angústia e depressão após o transe da morte. É, em suma, libertar-se dos erros, das paixões insanas e da ignorância.

Ensinar para o bem, através do pensamento, da palavra e do exemplo, é salvar. (Equipe da FEB, 1995)

2.2. ALMA

A alma é um princípio imaterial; depende do corpo para suas atividades, mas transcende o corpo, porque é capaz de ações que nenhum laboratório químico, por mais aparelhado, é capaz de realizar. Nenhum equipamento inventado pelos homens, por mais aperfeiçoado que seja, pode produzir a mais simples idéia abstrata, o raciocínio, ou um puro ato de amor. (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo)

Ser imaterial e individual que em nós reside e sobrevive ao corpo.

A alma é um Espírito encarnado, sendo o corpo apenas o seu envoltório. (Equipe da FEB, 1995)

3. PEQUENO ESCORÇO HISTÓRICO

A palavra salvação é um “termo técnico” que tem origem na tradição judeu-cristã e recebe aplicação geral. Religião de “salvação” é a que oferece um diagnóstico da condição humana e oferece um caminho para a saúde ou integridade.

o Totemismo, a mais primitiva das religiões, traz em seu bojo a idéia de salvação, principalmente nas proibições do culto negativo, como por exemplo, a abstenção de falar, de distrair-se, de lavar-se... O resultado desta prova é uma transformação total, um segundo nascimento. 

A Religião Egípcia é identificada com o culto da morte. A ciência secreta e os mistérios de Isis e Osíris simbolizam as forças espirituais que se prendiam ao fenômeno da morte. O Livro dos Mortos dá a conhecer os obstáculos que os defuntos encontram no outro mundo e os meios de vencer as dificuldades. Às vezes, no momento dos funerais, representam-se dramas simbolizando o triunfo do morto sobre os demoníacos adversários.  

O Vedismo, o Bramanismo, o Hinduismo, o Jainismo e o Budismo são as diversas religiões da índia. A faculdade de tolerar e de esperar aflorou no sentimento coletivo das multidões, que suportaram heroicamente todas as dores e aguardaram o momento sublime da redenção. A salvação (moksha) consistiria em libertar-se do karman, em libertar-se de qualquer renascer, pois renascer é participar novamente “da dor do mundo”. No Hinduísmo, por exemplo, a palavra batki (devoção) representa a salvação nos atos de amor. 

No Antigo Testamento fica claro que o plano salvador de Deus é um plano universal. É Abraão quem recebe a promessa salvadora. Então o povo hebreu começa a ver na salvação a superação de sua impotência, de seus perigos e desgraças na sua chegada à morada prometida de Deus, a "terra prometida", que se torna símbolo da plenitude dos bens sonhados pelo homem. A vida humana é essencialmente risco. E o risco costuma estar ligado a fracassos e tragédias. A salvação significa a superação cotidiana dos diversos obstáculos do caminho pela graça divina, sobretudo o encontro, agora e para sempre com aquele que é capaz – ele e só ele – de preencher plenamente o coração do homem: Deus.

Ao longo dos evangelhos, Jesus é apresentado como o Salvador por antonomásia: o seu nome é Salvador. Sua mensagem de salvação pressupõe certamente uma interiorização e, mais do que às realidades políticas ou econômicas, refere-se à libertação do pecado, da concupiscência e da morte. Cristo coloca no centro de sua pregação o Reino, que é a presença de Deus entre os homens, dirigindo-os pelos caminhos do amor e da paz. (Idígoras, 1983)

4. AS ALTERNATIVAS DA HUMANIDADE COM RELAÇÃO À VIDA FUTURA

4.1. NIILISMO

O Niilismo - do lat. nihil, nada, fruto da doutrina materialista – significa ausência de toda a crença. Como a matéria é a única fonte do ser, a morte é considerada o fim de tudo. Os adeptos do materialismo incentivam o gozo dos bens materiais, dizendo que quanto mais usufruirmos deles, mais felizes seremos. Como se vê, a conseqüência do niilismo é a corrida em busca do dinheiro, da projeção social e do bem-estar material. Esta visão de mundo forneceu subsídios para a teoria existencialista de Sartre, em que o indivíduo tem apenas uma existência. Não há vida antes do nascimento e nem depois da morte. Para ele, cada ser humano é como uma tabula rasa, que vai sendo preenchida de experiências e de conhecimentos ao longo do tempo. Passados 10, 20... 80 anos, deixa o corpo para não mais existir. A sua teoria tem como pano de fundo a náusea, ou seja, a angústia de nada esperar além da vida material.

4.2. PANTEÍSMO

O Panteísmo - do grego pan, o todo, e Theos, Deus - significa absorção no todo. De acordo com essa doutrina, o Espírito, ao encarnar, é extraído do todo universal; individualiza-se em cada ser durante a vida e volta, por efeito da morte, à massa comum. As conseqüências morais dessa doutrina são semelhantes às do materialismo, pois ir para o todo, sem individualidade e sem consciência de si, é como não existir.

4.3. A INDIVIDUALIDADE DA ALMA

Dogmatismo Religioso – a alma, independente da matéria, é criada por ocasião do nascimento do ser; sobrevive e conserva a individualidade após a morte. A sua sorte já está determinada: os que morreram em "pecado" irão para o fogo eterno; os justos, para o céu, gozar as delícias do paraíso. Essa visão deixa sem respostas uma série de anomalias que acompanham a humanidade, como, por exemplo, os aleijões e a idiotia.

Espiritismo – o Espírito, independente da matéria, foi criado simples e ignorante. Todos partiram do mesmo ponto, sujeitos à lei do progresso. Aqueles que praticam o bem, evoluem mais rapidamente e fazem parte da legião dos "anjos", dos "arcanjos" e dos "querubins". Os que praticam o mal, recebem novas oportunidades de melhoria, através das inúmeras encarnações. (Kardec, 1975, p. 193 a 200)

5. LIBERTANDO-SE DO MAL

5.1. O ESPÍRITO COMO ATO E POTÊNCIA

Partamos do ato puro, denominado Deus, visto que nenhum outro ato poderia tê-Lo criado. Dele, concebamos a criação do Espírito, que traz em seu bojo tanto o ato como a potência. Acrescentemos que Deus, quando nos criou, criou-nos potencialmente perfeitos, ou seja, ofereceu-nos e oferece-nos ainda as possibilidades de atualizarmos as virtualidades que estão implícitas em nosso ser. Para tanto, precisamos dos fatores emergentes e dos fatores predisponentes. Os fatores emergentes são aqueles inerentes, próprios da essência do Espírito; os fatores predisponentes são aqueles que auxiliam no seu desenvolvimento. Tomemos uma semente como exemplo. Nela reside a árvore frondosa. Contudo, para que se torne uma árvore, necessita da própria semente e também do ar, da água, do solo etc. Assim, se quisermos ver uma macieira crescer, devemos plantar uma semente de maça; se quisermos um caquizeiro, devemos plantar uma semente de caqui. Mas, para que a macieira e o caquizeiro cresçam, necessitamos da terra, do ar, da água etc. Estes últimos são denominados fatores predisponentes. Do mesmo modo é o Espírito. Para que ele se desenvolva e atinja o grau de perfeição requerido, deve possuir em si o germe da perfeição e ser auxiliado pelos outros seres humanos, tais como, pai, mãe, tio, tia etc.

5.2. O PASSADO INFLUENCIANDO O PRESENTE E ESTE O FUTURO

Passado

Presente

Futuro

Causa

Efeito/Causa

Efeito

A escolha caracteriza a causa. Se a causa foi uma opção pelo bem, teremos como conseqüência um efeito positivo; se pelo mal, o efeito será negativo. Assim, de acordo com as nossas escolhas (passado) teremos os efeitos (presente), e de acordo com nossas escolhas (presente) teremos os efeitos (futuro). Por isso diz-se: "Olha pelo que te trocas; talvez não percebas de pronto, mas cada um se dá por aquilo que se troca." Trocar a nossa hora presente por bagatelas é preparar um futuro de bagatelas.

5.3. CÓDIGO PENAL DA VIDA FUTURA

Arrependimento. É o sentimento de pesar que se apossa de uma pessoa, em razão de pensamentos, palavras e atos que preferiria não ter concebido, dito ou praticado, e que conduz ao propósito de mudar de atitude ou de comportamento. O verdadeiro arrependimento deve ser profundo e atingir o âmago da alma.

Expiação. Pode ser entendida como castigo, penitência, cumprimento de pena. O arrependimento por si só não é suficiente; ele apenas prepara e suaviza a expiação. Como dissemos anteriormente, uma ação má é um desvio com relação à Lei Natural; a sua conseqüência é a dor e o sofrimento. Não temos escapatória. O que nos compete é saber sofrer, ou seja, aproveitar racionalmente as injunções do meio adverso. Assim, nada de blasfemar contra a Divina Providência, nada de ficar choramingando, nada de ficar reclamando. Importa, sim, enfrentarmos corajosamente a dor quando ela se nos apresenta.

Reparação. Somente a reparação, contudo, pode arredar o efeito destruindo-lhe a causa. Do contrário, o perdão seria uma graça, não uma anulação. A reparação consiste em fazer o bem àqueles a quem se havia feito o mal.

O arrependimento, a expiação e a reparação constituem, portanto, as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas conseqüências. (Kardec, 1975A, cap. VII, código 16.º)

6. ORIENTAÇÕES EVANGÉLICAS

6.1. CAMINHANDO E ENTRANDO PELA PORTA ESTREITA

Nossas escolhas marcam as páginas do livro de nossa vida. Planejamos entrar pela porta estreita, mas o contato com o mundo, faz-nos aderir às suas comodidades materiais. É como o viajante que saiu para uma jornada, tendo uma meta a atingir. Enquanto se punha a caminho, deparou-se com bosques, recantos e guloseimas que, por serem apetitosos, desviaram-no do fim proposto. Conseqüência: não chegou ao lugar determinado. Quer dizer, confundiu o meio com o fim. O mesmo acontece nos meandros do nosso Espírito. Nossa meta é a salvação da alma, mas nos perdemos nos mais diversos gozos e prazeres do caminho.

6.2. O TRABALHO DE ILUMINAÇÃO DA ALMA

Pergunta 230 – Como iniciar o trabalho de iluminação de nossa própria alma?

"Esse esforço individual deve começar com o autodomínio, com a disciplina dos sentimentos egoísticos e inferiores, com o trabalho silencioso da criatura por exterminar as próprias paixões. Nesse particular, não podemos prescindir do conhecimento adquirido por outras almas que nos precederam nas lutas da Terra, com as suas experiências santificantes – água pura de consolação e de esperança, que poderemos beber nas páginas de suas memórias ou nos testemunhos de sacrifício que deixaram no mundo." (Xavier, 1977)

6.3. FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

Por que fora da caridade e não fora da Verdade ou da Igreja? Porque a caridade pode ser praticada por qualquer vivente, enquanto o "fora da verdade ou da Igreja" pressupõe uma inteligência desenvolvida ou a adesão a uma religião.

A Parábola do Bom Samaritano retrata bem a salvação pela caridade. Nesta parábola, Jesus ensina ao doutor da Lei quem é o nosso próximo. O próximo, segundo Jesus, foi aquele que auxiliou o moribundo, independente da crença, da raça ou da cor.

Os Espíritos instruem-nos que na máxima fora da caridade não há salvação "estão contidos os destinos dos homens na Terra e no Céu; na Terra, porque à sombra desse estandarte eles viverão em paz; no Céu, porque aqueles que a tiverem praticado, encontrarão graça diante do Senhor." (Kardec, 1984, cap. 15, item 10)

6.4. SERVIÇO DA SALVAÇÃO

"E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo." – Atos, 2, 21.

"Não bastará, contudo, tão-somente aprender a rogar. Estudemos também a arte de receber.

Ás vezes, surgem diferenças superficiais entre pedido e suprimento. O trabalho salvador do Céu virá ao nosso encontro, mas não obedecerá, em grande número de ocasiões, à expectativa de nossa visão imperfeita. Em muitos casos, a Providência Divina nos visita em forma de doença, escassez e contrariedade...

A miopia terrena, todavia, de modo geral, só interpreta a palavra "salvação" por "vantagem imediata" e, por isso, um leve desgosto ou uma desilusão útil provoca torrentes de lamentações improdutivas. Apesar de tudo, porém, o Cristo nunca deixa de socorrer e aliviar e o Seu sublime esforço de redenção assume variados aspectos tanto quanto são diversas as necessidades de cada um" (Xavier, 1971, cap. 129)

6.5. O PERDÃO COMO LEI CIENTÍFICA DE SALVAÇÃO

Salvar-se, com vimos, significa livrar-se do mal. Ora, quem não perdoa não se livra do mal. Por que? Porque os nossos pensamentos ficam ligados à pessoa que nos ofendeu. Perdoando, ficamos livres desses efeitos, geralmente impregnados de muito ódio e de muita mágoa. Não é aconselhável fazermos justiça com as próprias mãos; deixando ao encargo da Lei Natural, o efeito será muito mais produtivo e eficiente.

7. CONCLUSÃO

Substituamos a palavra salvação por evolução. Somente assim nos livraremos da crença de que estamos sendo salvos simplesmente por aderirmos a uma doutrina ou por termos sido submetidos a algum sacramento religioso.

8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967.
ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]
EQUIPE DA FEB. O Espiritismo de A a Z. Rio de Janeiro: FEB, 1995.
GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]
IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo: Paulinas, 1983.
KARDEC, A. O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo. 22. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1975A.
KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed. São Paulo: IDE, 1984.
KARDEC, A. Obras Póstumas. 15. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1975.
LEON-DUFOUR, X. et al. Vocabulário de Teologia Bíblica. Rio de Janeiro: Vozes, 1972.
XAVIER, F. C. O Consolador, pelo Espírito Emmanuel. 7. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1977.
XAVIER, F. C. Vinha de Luz, pelo Espírito Emmanuel. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1971.

São Paulo, novembro de 2003 

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