Sérgio Biagi Gregório
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Antecedentes. 4. O Texto Evangélico e sua Explicação: 4.1. A Finalidade da Pregação; 4.2. As Oito Regras; 4.3. Explicando Algumas Dessas Regras: 4.3.1. Pobre de Espírito: o Que É e o Que Não É; 4.3.2. Choro com Valor e Choro sem Valor; 4.3.3. Mansidão é Força do Espírito; 4.3.4. Misericórdia é ter Compaixão das Dores do Próximo. 5. Jung, Buda e Discurso Espírita: 5.1. Psicanálise Junguiana; 5.2. Os Ensinamentos de Buda sobre as Bem-Aventuranças; 5.3. O Expositor ante a Bem-Aventurança. 6. Bem-Aventurança e Doutrina Espírita: 6.1. Cultivando as Bem-Aventuranças; 6.2. O Sermão do Monte; 6.3. O Auxílio dos Espíritos Superiores. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste estudo é relembrar as regras básicas do comportamento humano, trazidas por Jesus, no sentido de melhor auxiliar a elaboração de nosso pensamento e as conseqüentes ações que daí dimanam.
2. CONCEITO
Bem-Aventurança - Termo técnico para indicar uma forma literária que se encontra quer no Antigo quer no Novo Testamento. A Bem-Aventurança é uma declaração de bênção com base em uma virtude ou na boa sorte. A fórmula se inicia com "bem-aventurado aquele..." Com Jesus toma a forma de um paradoxo: a bem-aventurança não é proclamada em virtude de uma boa sorte, mas exatamente em virtude de uma má sorte: pobreza, fome, dor, perseguição. (Mackenzie, 1984)
Sermão do Monte - Também chamado Sermão da Montanha ou Sermão das Bem-Aventuranças, foi pronunciado por Jesus na fralda de um de um monte, em Cafarnaum, dirigindo-se a todas as pessoas que o seguiam. Nele Jesus faz uma síntese das leis morais que regem a humanidade. (Vários Autores, 2000)
3. ANTECEDENTES
As pregações de Jesus se davam nas proximidades de Cafarnaum. Numerosas pessoas o aguardavam para ouvir o seu verbo redentor. Entre elas estavam aqueles que seriam os seus seguidores, e que deveriam dar prosseguimento à divulgação da Sua boa-nova.
Depois de uma das suas pregações do novo reino, chamou os doze companheiros:
Pedro, André e Filipe eram filhos de Betsaida, de onde vinham igualmente Tiago e João, descendentes de Zebedeu. Levi, Tadeu e Tiago, filhos de Alfeu e sua esposa Cleofas, parenta de Maria, eram nazarenos e amavam a Jesus desde a infância. Tomé descendia de um antigo pescador de Dalmanuta e Bartolomeu nascera de uma família laboriosa de Cana da Galiléia. Simão, mais tarde denominado o Zelote, deixara a sua de Canaã para dedicar-se à pescaria, e somente um deles, Judas, destoava um pouco desse concerto, pois nascera em Iscariotes e se consagrava ao pequeno comércio em Cafarnaum, onde vendia peixes e quinquilharias. (Xavier, 1977, p. 38 e 39)
Característica dos apóstolos: eram os homens mais humildes e simples do lago de Genesaré.
4. O TEXTO EVANGÉLICO E SUA EXPLICAÇÃO
4.1. A FINALIDADE DE PREGAÇÃO
Era chegado o momento de fazer o sermão àqueles doze, o qual abrangesse todos os seus ensinamentos, um esclarecimento formal de sua mensagem, e que os apóstolos deveriam saber de cor.
Para isso, Ele os conduzira longe das multidões, para uma elevação rochosa, ali numa encosta da montanha, trecho isolado onde poderiam ficar a sós.
Depois que os discípulos se acomodaram, proclamou o mais conciso e ordenado sistema de uma filosofia universal. Ali se achava tudo o que alma necessitava saber a respeito de Deus, da criação e da vida quotidiana, tanto naquela época como nas vindouras. Foi ali que comunicou à humanidade inteira as oito regras básicas para todo o comportamento humano.
4.2. AS OITO REGRAS
1.ª) Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.
2.ª) Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
3.ª) Bem-aventurados aqueles que são brandos e pacíficos, porque herdarão a Terra.
4.ª) bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
5.ª) Bem-aventurados aqueles que são misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
6.ª) Bem-aventurados aqueles que têm puro o coração, porque verão a Deus.
7.ª) bem-aventurados os que sofrem perseguição pela justiça, porque o reino dos céus é para eles.
8.ª) Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós. (Mateus, 5, 1 a 12)
4.3. EXPLICANDO ALGUMAS DESSAS REGRAS
4.3.1. POBRE DE ESPÍRITO: O QUE É E O QUE NÃO É
Não é aquele que é pobre do ponto de vista material; não é aquele que se deprecia; não é aquele que é covarde; não é aquele que esconde seu talento.
É aquele que reconhece que é: carente na esfera do espírito; que não possui as riquezas e os dons espirituais; que depende de Deus.
Por pobres de espírito Jesus não entende os homens desprovidos de inteligência, mas os humildes: ele disse que o reino dos céus é deles e não dos orgulhosos. Os homens de ciência, compenetrados de si mesmos, elevam-se de tal maneira que acabam por negar a divindade; e os que admitem-na, contestam-lhe a ação providencial sobre as coisas deste mundo, persuadidos de que só eles bastam para governá-lo. A negação divindade é muito mais fruto do orgulho do que da convicção: isto poderia fazê-los descer do pedestal em que se encontram.
"Em dizendo que o reino dos céus é para os simples, Jesus quer dizer que ninguém é nele admitido sem a simplicidade de coração e a humildade de espírito; que o ignorante que possui essas qualidades será preferido ao sábio que crê mais em si do que em Deus". (Kardec, 1984, p. 101 e 102)
4.3.2. CHORO COM VALOR E CHORO SEM VALOR
Chorar por si só não tem valor nenhum, por isso, muitos choram sem consolação. É o caso das constantes lástimas pelas perdas egoístas ou ambições frustradas, das lágrimas excessivas pelos entes queridos que partiram.
O choro com valor é aquele que evoca um arrependimento sincero ante o erro cometido, não só com relação ao próximo como com relação a Deus. Nesse sentido chorar é ter saúde espiritual.
4.3.3. MANSIDÃO É FORÇA DO ESPÍRITO
Ser manso não significava ser um covarde servil, mas um crente na bondade de Deus e na benignidade do universo, mesmo quando a alma vive imersa no sofrimento e não vê razão para isso. Essa regra exprimia a aceitação da vontade de Deus.
O mundo acha que o manso é covarde, vacilante, fraco. Mas, mansidão não é fraqueza é sim "força tornada gentil".
A Mansidão é uma atitude interna de quem é pobre de espírito e de quem chora. É o ponto de vista que a pessoa faz de si mesma, que se expressa da forma com que o cristão vê os outros.
4.3.4. MISERICÓRDIA É TER COMPAIXÃO DAS DORES DO PRÓXIMO
Sentido etimológico: "sentir a miséria do outro em meu coração". Quando nos vemos em posição de domínio ou superioridade sobre o outro, que havia transgredido contra nossa pessoa e nós nos recusamos em nos vingar.
Misericórdia é uma disposição da alma, de ser semelhante a Cristo ao encarar amigos, inimigos, desprezados, e pecadores. É uma manifestação da conduta. O misericordioso usa de bondade ao julgar os outros; procura o melhor, não o pior; é lento para condenar, rápido para recomendar.
5. JUNG, BUDA E DISCURSO ESPÍRITA
5.1. PSICANÁLISE JUNGUIANA
Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço, foi muito feliz quando fez um paralelo entre os ensinamentos de Jesus e a psicologia. Vejamos o que ele nos traz, na interpretação das Bem-aventuranças (Mateus 5:3-10).
1. Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. Felizes aqueles que têm consciência de sua pobreza espiritual e que buscam humildemente aquilo que necessitam.
2. Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Os que choram se encontram envolvidos num processo de crescimento. Eles serão consolados quando o valor projetado, perdido, for recuperado no interior do psique.
3. Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. Essa mansidão está relacionada ao Ego, que precisa ser trabalhado, essa atitude é afortunada, pois o ego está pronto para receber ensinamentos e aberto às novas considerações que podem levar a uma rica herança. Herdar a terra significa adquirir uma consciência em saber se relacionar ao todo ou de ter uma participação pessoal no todo.
4. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Trata-se de um principio orientador interior, de caráter objetivo, que traz um sentimento de realizações do Ego que o busca com fome. A justiça de estar vivendo de acordo com a verdadeira e real necessidade interior.
5. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Se o Ego é misericordioso, ele receberá misericórdia do íntimo.
6. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. A pureza ou a limpeza podem significar um estado do Ego, livre da contaminação de conteúdo ou motivações do inconsciente. Aquele que é consciente é puro, porque é consciente de que seu erro abre uma porta para experimentar a sua própria essência.
7. Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados de filhos de Deus. O papel apropriado do Ego é mediar entre as partes oponentes aos conflitos intra-psíquicos internos.
8. Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. O Ego precisa suportar a dor e o sofrimento, sem sucumbir ao amargor e ao ressentimento, para relacionar-se à lei interna objetiva.
Jung nos mostra através dessa correlação entre os ensinamentos de Jesus e a psique humana que o principal ponto das Bem-aventuranças entendidas psicologicamente é a exaltação do Ego não inflado, um Ego humilde. (www.espirito.com.br)
5.2. OS ENSINAMENTOS DE BUDA SOBRE AS BEM-AVENTURANÇAS
Bem-aventurados os que sabem e cujo conhecimento é livre de ilusões e superstições.
Bem-aventurados os que dizem que sabem, de maneira bondosa, franca e verdadeira.
Bem-aventurados aqueles cuja conduta é tranqüila, honesta e pura.
Bem-aventurados os que ganham a vida de maneira que não traga mal ou perigo a qualquer vivente.
Bem-aventurados os tranqüilos, que se despojam da má vontade, orgulho e falsa convicção, substituindo-os por amor piedade e compreensão.
Bem-aventurados todos aqueles que dirijam os melhores esforços no sentido da preparação e domínio de si mesmos.
Bem-aventurados, além de todos os limites, quando por este meio, vos despojardes das limitações do egoísmo.
E bem-aventurados, finalmente, os que se extasiam em contemplar o que é profundo e verdadeiro sobre este mundo e nele a nossa vida. (Rodrigues, 1988, p.61)
5.3. O EXPOSITOR ANTE A BEM-AVENTURANÇA
Bem-aventurado o expositor que sabe como pregar.
Bem-aventurado o expositor que encurta suas introduções
Bem-aventurado o expositor que modela sua voz, e nunca grita.
Bem-aventurado o expositor que sabe como e quando terminar.
Bem-aventurado o expositor que se inclui entre os ouvintes.
Bem-aventurado o expositor cujas palestras são articuladas e lógicas.
Bem-aventurado o expositor cujas palestras constituem uma unidade, têm propósito definido, sendo cada palavra bem pensada e meditada.
Bem-aventurado o expositor que raramente emprega o pronome eu.
Bem-aventurado o expositor que conhece, prega e pratica a Doutrina Espírita.
Bem-aventurado o expositor que vive a mensagem que prega.
Bem-aventurado o expositor que é Cristocêntrico.
Bem-aventurado o expositor que antes de se preocupar com a qualidade das palavras, se preocupa com o sentimento que irá passar.
"Pregar o Evangelho de Jesus Cristo é o mais alto privilégio e a aventura mais sedutora jamais comissionada ao homem, e ainda o propósito final de toda pregação do Evangelho, é a evangelização - a real conversão para Cristo." (www.espirito.com.br)
6. BEM-AVENTURANÇAS E DOUTRINA ESPÍRITA
6.1. CULTIVANDO AS BEM-AVENTURANÇAS
Cultivar as bem-aventuranças não é alçar exclamações de piedade inativa para o céu, lastimando os males do próximo com a boca e guardando os braços em repouso, diante do sofrimento alheio que nos convoca ao auxílio, à fraternidade e à cooperação.
Bem-aventurados os que lutam e sofrem, que se agitam e trabalham na materialização do bem comum, porque todos aqueles que fazem da piedade o serviço constante do amor encontram realmente as portas abertas para o Reino de Deus. (Xavier, 1974, p. 121)
6.2. O SERMÃO DO MONTE
Levi ficou surpreso com os aleijados e estropiados que o procuravam. Que conseguiria o Evangelho do Reino, com esses aleijados e mendigos? Jesus disse: precisamos amar e aceitar a preciosa colaboração dos vencidos do mundo! Os vencedores da Terra não necessitam de boas notícias. Nas derrotas da sorte, as criaturas ouvem mais alto a voz de Deus.
Imaginemos que os triunfadores da Terra viessem até nós, ensarilhando suas armas exteriores. É dentro desse quadro que Jesus lança as bem-aventuranças. (Xavier, 1977, cap. 11)
6.3. O AUXÍLIO DOS ESPÍRITOS SUPERIORES
Por amor, os bem-aventurados, que já conquistaram a luz divina, descerão até nós, quais flamas solares que não apenas se retratam nos minaretes da terra, mas penetram igualmente nas reentrâncias do abismo, aquecendo os vermes anônimos.
Chegam, assim, até nós, desculpando-nos a falta e suprindo-nos as fraquezas, a integrar-nos na ciência difícil de corrigir-nos, por nós mesmos, sem reclamarem o título de mestres.
Vem das alturas e apagam-se. Ajudam-nos a carregar o fardo de nossos erros, sem tornar-nos irresponsáveis. Alentam-nos a energia sem demitir-nos da obrigação. (Xavier, 1970, p. 67)
7. CONCLUSÃO
Mahatma Gandhi tinha razão quando disse que, se dos ensinamentos do Cristo ficasse apenas os extratos do Sermão do Monte, teríamos condições de pautar a nossa conduta dentro dos mais excelsos parâmetros para nos relacionarmos bem em sociedade.
8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed.
São Paulo: IDE, 1984.
MACKENZIE, J. L. (S. J.).
Dicionário Bíblico.
São Paulo: Paulinas, 1984.
MICHALANY, D. A Grande Enciclopédia da Vida. São
Paulo: Michalany, s.d.p.
RODRIGUES, Antonio F. Pérolas Literárias: Contos e Crônicas. Capivari-SP:
LAR/ABC do Interior, 1988.
VÁRIOS AUTORES, Curso de Aprendizes do Evangelho. 6. ed. São Paulo: Feesp,
2000.
XAVIER, F. C. Boa Nova, pelo Espírito Humberto de Campos. 11. ed. Rio de
Janeiro: FEB, 1977.
XAVIER, F. C. Instrumentos do Tempo, pelo Espírito Emmanuel. São Bernardo
do Campo: G E Emmanuel, 1974.
XAVIER, F. C. Justiça Divina, pelo Espírito Emmanuel. 2. ed. Rio de
Janeiro: FEB, 1970.
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São Paulo, setembro de 2003
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